domingo, 26 de agosto de 2007

I

Sentado numa cadeira de baloiço à entrada de casa, Nísio empunha do quarto cigarro do dia. Leva-o à boca até o segurar ligeiramente e firme com os lábios húmidos. Retira o isqueiro de metal do bolso das calças de fato de treino, abre-o e acende o cigarro entre as suas poderosas e grandes mãos. Dá o primeiro suco e expele o fumo pelas narinas e um pouco pela boca, fazendo nuvens cor cinza.
Adorava sentir o roçar do fumo na laringe. Aquela droga fraca proporcionava-lhe uma certa descontracção e alívio, pois o stress diário teimava em ficar retido sob a forma de um denso fardo psicológico. Não era viciado, apenas fumava por fumar. Simplesmente não encontrava algo suficientemente eficiente que amainasse aquela tensão retida em si. Além disso, acabava de fazer algo consideravelmente condenável que era fumar depois de ter praticado exercício físico, uma corrida. Nísio não se importava… Não estava lá ninguém para o condenar. Poderiam chamar-lhe louco por andar a correr com um maço de tabaco dentro do bolso, mas as opiniões também faziam parte da sua indiferença.
Ouviu uma coruja a passar rapidamente entre a escuridão, e pensou que talvez o animal andasse à procura de ratos, ou estivesse apenas de volta ao ninho para alimentar as crias.
Voltou o olhar para os grandes pinheiros à sua frente, pouco distantes de si. Surpreso, viu que continuavam nos mesmos pontos, e por detrás deles, numa tonalidade mais escura, podia observar os aglomerados rochosos da Serra do Gerês.
Adorava aquela serra e as suas irregularidades quando vistas de longe. Contudo, gostava mais das noites de lua cheia. A visão desta era digna de inspiração para que qualquer pintor pegasse nos pincéis e pintasse um quadro com tintas a óleo, retratando aquela sumptuosa paisagem.
O seu avô levava-o a passear pelos trilhos daquele magnífico lugar. Observavam juntos as paisagens, viam correr velozmente os cavalos semi-selvagens, as vacas a pastar, os bois, os veados, e iam juntos a lugares completamente longe dos olhares. Tinha-lhe ensinado muito sobre aquela montanha, mas acima de tudo a respeitá-la. "Se na vida queremos que algo permaneça, devemos salvaguardá-lo", costumava dizer.
O desgastado homem morreu naquele lugar a protegê-lo. A sua morte deu-se a 14 de Agosto de 1995 (tinha piada como se recordava nitidamente da data).
Sem dúvida alguma que continuava claro na sua mente, pois achava o avô um grande homem.
Ouviu o bater de um punho na janela. Deu o último suco no cigarro e apagou-o no cinzeiro de metal, já um pouco enferrujado pelo processo de oxidação, que se encontrava numa mesinha de madeira à sua esquerda.
Mal abriu a porta, cheirou o aroma que proliferava e o chamava a segui-lo. Não era necessário procurar de onde vinha, pois a divisão da cozinha era logo à entrada da casa, e o delicioso manjar encontrava-se já nos respectivos pratos azuis de vidro.
O Sr. Paulo cantarolava uma canção minhota enquanto acabava de temperar a salada de alface. Era considerado um dos melhores cozinheiros da região; fazia deliciosos pratos em tempo recorde.
Cheirava mesmo ao seu favorito, rojões à minhota, como só o Sr. Paulo conseguia oferecer, de uma maneira rápida e deliciosa.
Era um homem ainda com muita força, que se conformava com as opiniões dos outros. Tinha olhos cor de mel, cabelo branco, cara ainda jovem. A passividade excessiva que o caracterizava atormentava o círculo de pessoas com quem se dava.
Nísio sentou-se e deu a primeira garfada, saboreando-a imediatamente. Sem dúvida que era incomparavelmente melhor do que a comida do refeitório miserável a que tinha de se dirigir antigamente, todos os dias, para se poder alimentar.
Depois do Sr. Paulo pousar a taça de vidro que continha a salada, interrogou Nísio: - Como está a comida?
Concentrado no seu prato, respondeu-lhe: – Está óptima! -, colocando logo com gosto outra garfada na boca.
-Amanhã sempre vais à procura de emprego? – perguntou hesitante a Nísio.
-Sim, vou!
-Hum... Ok! - Depois de uma breve pausa declarou: - Sabes que me podes vir sempre ajudar no restaurante.
Nisio limpou a boca com o guardanapo de pano. - Eu sei pai, mas como já te disse, eu quero explorar o que for necessário para conseguir um emprego que não seja de mão beijada.
O Sr. Paulo queria profundamente que o filho aceitasse a sua proposta, talvez por uma questão de segurança. Podia vigiá-lo, e assim poderia tentar ser mais competente paternalmente. Acabou por pronunciar coisa nenhuma e manteve-se a comer, olhando para o prato, conformado de que o pai estaria a perder tempo a tentar convencê-lo, sendo ele um homem muito teimoso. O silêncio afluiu àquele lugar, até estarem saciados convenientemente.
Depois de terminado o jantar, levantaram a mesa e lavaram a loiça. Sr.Paulo deitou-se no confortável sofá da sala a ler um livro, "O fim da corda", uma novidade que comprou numa livraria, cuja autoria pertence a um jornalista muito conhecido. Enquanto lia, comia amendoins e atirava as cascas para dentro de um pequeno caixote vazio, um pouco distante de si. Quando falhava, não se dava ao trabalho de se levantar para os colocar dentro do caixote. Nísio, não o percebia, era sem dúvida um pai estranho, riu-se e foi tomar duche.
Rodou a maçaneta para sair água quente, despiu-se e colocou-se debaixo do chuveiro com ela a precipitar-se sobre si. A sensação de estar quieto debaixo do chuveiro era reconfortante, a uns tempos atrás não tinha direito a estar tanto tempo no banho e ter água quente. Colocou a cabeça debaixo daquela precipitação e, por momentos, o mundo não existia só ele e aquele barulho da água nos seus ouvidos. Inclinou um pouco a cabeça para cima desejando sentir a força da água no seu rosto. Não podia permancecer assim para sempre, por isso lavou-se convenientemente e quando acabou, agarrou a toalha azul pendurada, limpou-se e enrolou-a à cintura e dirigiu-se para o seu quarto. Era uma divisão grande, tinha um armário grande com posters de carros e um terço de madeira descansava numa das ferragens, num outro lado, uma estante estava cheia de revistas antigas de música e alguns livros... e uma guitarra velha encostada junto a um dos cantos, imovél, ainda esperava que alguém ainda a peguasse para a tocar.Quando entrou, colocou um CD dos Pappers a tocar. Adorava aquela banda americana de rock alternativo. Havia um amigo que se fartava de a ouvir e ele gostara logo bastante do som; soava-lhe bem e percebia as letras em inglês… Entretia-se desde miúdo a perceber a língua-mãe.. Estendeu-se na cama, já só com os boxers. Deixou três músicas tocarem e pegou no comando da aparelhagem desligou-a, e deixou-se ficar a repousar, abstraído de pensamentos, ficando no presente, até os olhos pesarem, fecharem e adormecer.

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